Diálogo

-Você conseguiu esquecer?
- Você tem que me perguntar em que parte do dia. - abriu um sorriso triste- Não, eu não consegui.
- Mas do que adianta? Já faz um tempo...
- Eu não sei.
- O que te deixou mais triste?
- Ninguém foi capaz de entender por que eu agi da forma que eu agi.
- Mas todos nós concordamos com você, você fez o mínimo que precisava fazer. Você esqueceu o que fizeram com você? Esqueceu de como você ficou? Você quase morreu! Você não teria feito isso com ninguém, com nenhuma de nós. Você sempre foi incapaz de fazer mal a alguém.
- Nada disso importa mais.
- Ei, espera aí. Você está se culpando agora?
- Ninguém teve culpa.
- Sim, alguém sempre tem culpa.
- Quem teve culpa?
- Você sabe...
- Não, não houve culpado. Só aconteceu. Fim.
- Tudo o que você fez foi pra se proteger, era preciso.
- Bem, não adiantou muito.
- Sim, adiantou. Você está viva aqui, mesmo com esses breves momentos de tristeza, você está viva! Você consegue sorrir, você está trabalhando, está começando a sua faculdade, participando da igreja... Você tem a nós...
- Obrigada.
- Dói porque ele não te procurou mais, né?
- É. Mas eu sabia que isso aconteceria, desde o primeiro momento.
-Escuta aqui: Não foi sua culpa, entendeu? Você estava tentando se proteger. Você não merece ver tudo o que está acontecendo, não mereceu as coisas que ele te chamou. Eu vejo o quanto você chora só por ver aquela maldita foto. Você deveria apagar os antigos emails também.
- Talvez um dia eu precise deles.
- Eu nunca perdoaria.
- Eu nunca conseguiria não perdoar. Eu perdoo quem eu não conheço, quanto mais ele. Eu nunca tive raiva, nunca desejei mal a eles, pelo contrário. Eu sempre quis que eles entendessem o meu lado, se colocassem no meu lugar. Mas é sempre difícil se colocar no lugar dos outros, eu entendo.
- Você sempre vê um lado puro nas pessoas.


- Isso é um elogio pra mim.






Maria Eduarda Nascimento



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Paráfrase


Meus olhos estão vendados, não consigo mover as minhas mãos, mas ouço os gritos de alguém que fala não saber de nada. Eu serei o próximo. Dor, muita dor. Difícil ser marginalizado por algo que não deveria ser crime. Lembrei-me da tia Maria, a dor dela deve ter sido pior que a minha ao perder o primo Juninho. A dor do Juninho deve ter sido pior que a minha: perdido por aí, de certo morto. E a dor da minha mãe? Pobre, mãe. Aposto que não voltarei para casa. Disso não sinto dor, sinto conformismo, sei que vou morrer.  Vou morrer porque não sou rico, não sou filho de gente importante, não sou cantor, não tenho dinheiro para me autoexilar. Não tinha dinheiro nem para visitar a tia Maria. Vou morrer porque sou um ninguém, nesse país de alguém, que não sou eu.
Acho que o outro já se foi, é a minha vez. Acho que vou me poupar de falar, eles nem querem saber mesmo. Quanto mais rápido eu morrer, melhor. Espero que eles escolham uma forma mais rápida, que Deus seja por mim nessa hora.

Paráfrase
Achados e perdidos – Gonzaguinha

Maria Eduarda Nascimento

(Texto desenvolvido em 16/10/12 para fazer parte do acervo do blog Cangaço Groove.  O texto girou em torno da semana de homenagens às pessoas que sofreram com a ditadura militar no Brasil.  O título "Paráfrase" foi escolhido porque foi inspirado da música "Achados e perdidos" de Gonzaguinha.) 

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Não existe!

- O amor não existe! - gritou repetidas vezes na rua. Tinha a esperança que um dia, as pessoas se convencessem de que ela estava certa. - Sabem por quê? Porque estive cara a cara com ele e ele nunca pareceu ser verdadeiro pra mim. - tentava se equilibrar no salto. Palavras balbuciadas com certa dificuldade. 
Todo mundo olhava esquisito, alguns balançavam a cabeça em sinal de reprovação. Ela sabia que estava fazendo uma cena, mas do que importava? Nada mais importava. Riu alto, gargalhou na verdade. 
- Um dia todos vão passar pela mesma situação que eu: Vão conhecer alguém, vão acreditar que é amor e no final, vão quebrar a cara e o coração, tanto o seu quanto o do outro. E sabe o que vocês vão fazer, depois que chorarem e acharem que a vida acabou? Vão tentar curar o sentimento fingindo que o amor não existe. Depois, talvez, vão encontrar outra pessoa e irá acontecer a mesma coisa. Então, deixem-me fazer a minha cena, até que apareça alguém que me prove o contrário, pelo menos por um tempo. - sorriu, respirou fundo e gritou novamente: O amor não existe!




Maria Eduarda Nascimento


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