O menino dos gibis
Gostaria de entender por
que esse tipo de coisa acontece tanto em transportes públicos. Para cada
cronista passageiro está reservado um tesouro.
Abri
“Contos reunidos”, de Rubem Fonseca,
na página 234, esperando um encerramento chocante para “A coleira do cão”, quando senti um cutucão seguido de uma vozinha
que dizia:
-Você
lê um livro desse tamanho?
Sorri quando percebi que era o garotinho que havia
sentado ao meu lado. Seu boné meio rasgado, bermuda meio velha e camisa
amarrotada o davam um ar de criança sofrida que contrastava estupidamente com o
seu sorriso.
-
Leio. Você não? – respondi, tentando ser simpática.
-
Não, é muito grande. Quantas páginas têm?
Tentei
responder, mas ele não deixou:
-
Eu gosto de ler, mas gosto de ler histórias em quadrinhos. Já li todas que você
conseguir imaginar: Luluzinha, Turma da Mônica, Riquinho, de super-heróis, da
Disney... Eu gosto de Pluto, mas ele não fala, só late.
Eu
não conseguiria esconder o brilho dos meus olhos nem se eu quisesse. Uma
criança que lia, que GOSTAVA de ler, que ADORAVA, na verdade. Já o amava:
-
Sério? Já li todos esses que você leu. Quando eu tinha sua idade eu adorava,
ainda gosto. Aliás, quantos anos você tem?
-
4+4
-
Oito?
Balançou
a cabeça afirmando e disse:
-
Eu leio na livraria, estou indo no shopping por isso. Primeiro vou na loja de
computadores, depois vou me sentar na livraria e ler todos os gibis.
-
Você já deve ter lido todos de lá, né? Você lê na escola?
-
Leio. – pareceu ainda mais feliz – Lá tem trinta gibis, eu contei e já li
todos. Eu prefiro ler do que brincar. Os meninos não são legais comigo lá, eles
rasgaram meu gibi de edição especial do Pato Donald! Ele tinha 124 páginas!
Pude
sentir a dor dele.
-
E o que você fez? É feio rasgar livros. Não deixa eles fazerem isso com você
mais.
-
Agora eu leio debaixo da escada, mas quando eu for grande vou rackear todos os
wifis deles. Você vai ver.
Ri:
-
Tenho certeza que sim!
Maria Eduarda Nascimento